
Suicídio. Você pode conhecer um caso distante ou ter alguém próximo que tenha tirado a própria vida. Eu mesmo conheço algumas histórias de pessoas de idades, classes sociais e gêneros diferentes, mas elas sempre deixam a mesma pergunta: por quê?
13 Reasons Why, adaptação da Netflix do romance Os 13 Porquês, de Jay Asher, traz isto em sua premissa. O seriado conta sobre a trágica história de Hannah Baker (Katherine Langford) e Clay Jensen (Dylan Minnette). Hannah é uma jovem no Ensino Médio que comete suicídio e deixa para trás 7 fitas cassetes explicando os 13 motivos que levaram à sua morte.
Cada motivo é uma pessoa que precisa ouvir as fitas e então passá-las para o próximo da fila. É uma premissa muito interessante entregue por um elenco muito bom, mas isto não impede a série de ter alguns problemas graves ao todo.
No fim das contas, escrever essa resenha foi um processo difícil, da mesma forma que 13 Reasons Why é um seriado difícil de ser digerido. Para a minha percepção, ele é um bom programa e que entrega sem papas na língua algumas mensagens muito importantes. Ao mesmo tempo, falhas e problemas impedem a série de se tornar um clássico instantâneo.
O bom
Dito isso, vamos falar das coisas boas e do que 13 Reasons Why tem de bom a oferecer e então seguimos para seus defeitos. Primeiro, é necessário chamar atenção para o elenco. Embora liderado por Minette e Langford, todo o resto dos atores está excelente em seus papéis.
Eles estão em uma boa faixa etária e não sofrem daquele problema de ter pessoas de 30 anos fingindo ter 17. Conforme os episódios avançam, os papéis se tornam dramaticamente mais difíceis e os atores seguram as pontas.
Além dos dois principais, cabe elogios à Brandon Flynn (Justin), Justin Prentice (Bryce) e especialmente Christian Navarro (Tony). O elenco adulto também se sai muito bem, especialmente os intérpretes dos pais de Hannah, conseguindo transmitir a dor da perda com grande honestidade e sem exageros.
Outro ponto forte são os próprios personagens. Eles são bons, tridimensionais, diversos e sua diversidade – de corpo, de gênero, de cor, de sexualidade – influi diretamente em suas características e, algumas vezes, em suas ações. Isso remove o tokenismo de pelo menos alguns dos personagens principais, o que é muito interessante de se ver.

Dylan Minnette (esq.) e Katherine Langford como Clay e Hannah (Divulgação)
O feio
O ponto mais forte e mais necessário e louvável do seriado é que ele resolve botar o dedo na ferida em alguns assuntos muito espinhosos. E a escolha de tom para fazer isso é nem um pouco sutil: é um tapa na cara, um soco no estômago. É um choque, mas ao contrário do que muitas vezes se vê no cinema ou na televisão, não é choque com fim em si mesmo; é pra realmente forçar o seu público a pensar sobre aquelas questões que muitas vezes são relegadas ao segundo plano ou descartadas como não importantes.
É difícil falar sobre isso sem entregar spoilers do seriado, mas ele vai bem além do suicídio adolescente. Embaixo do guarda-chuva central do bullying, a série toca em temas tabu como assédio moral, assédio sexual, homofobia, abuso de drogas e estupro.
Dentro deste leque, uma linha de pensamento chama a atenção ao longo de toda a série: o machismo sistemático e o impacto que isto tem sobre as mulheres na forma de assédio e abuso sexual. É violento, é gráfico, é perturbador e é incontestável.
Desnecessário dizer, mas 13 Reasons Why passa com louvor na classificação F e no teste Bechdel, tendo mulheres em diversos papéis de destaque e protagonismo, ao menos em termos de narrativa e roteiro.
Da metade para o final dos 13 episódios, é importante dizer que a série fica bem sombria e que é quando a maior parte destes temas é trabalhado mais profundamente. E quando digo sombria, eu falo sério: esta série é muito perturbadora a partir de um certo ponto, especialmente falando em termos de grande público. É quase uma versão light ou para menores de Gaspar Noé.

“Por que uma garota morta mentiria?” (Divulgação)
O mau
Agora vamos para a parte ruim. Esta série conta uma história importante, mas muitos estão dizendo que é um drama adulto disfarçado de adolescente. Isto não é verdade. A série é, claramente, em todos os aspectos desenhada para um público adolescente, mas por tratar de temas muito pesados, alguns estão julgando que ela mira nos adultos.
Isso pode ficar confuso e é um dos problemas da série: seu tom geral. Como adulto, foi difícil passar pelos primeiros episódios e chegar à parte mais dramaticamente desenvolvida da história devido aos clichês do gênero.
O que quero dizer com isso é que 13 Reasons Why possui alguns problemas clássicos do gênero, como diversos clichês e estereótipos. Alguns destes pontos forçam bastante a barra. O próprio personagem principal, Clay, vivido por Minnette, às vezes chega a ser tão socialmente inepto que beira o incompreensível. Nós como audiência entendemos que ele é tímido, ele não precisa da hipérbole.
Seu personagem é vítima do clássico “eu-era-apaixonado-pela-menina-tímida-mas-gostosa-e-ela-era-por-mim-e-eu-não-sabia”, o que é extremamente cansativo. Em uma série que se esforça para quebrar vários padrões do gênero, ver essa velha história do adolescente estranho que ama a menina linda e pensa não ser correspondido é um saco.
É tão chato que acaba manchando um pouco a personagem de Hannah, que acaba saindo como muito idealizada da história toda. Na tentativa de criar simpatia pela personagem, eles erram a mão, fazendo o expectador pensar “mas ela é tão legal, tão querida, porque as pessoas tratam ela tão mal?”.
É fácil prever que Hannah tem grandes chances de virar um ídolo de rapazes adolescentes com suas próprias dores de amor não correspondido e que não entenderam nada da mensagem da trama. Isso já aconteceu antes: basta ver o impacto das personagens de Zooey Deschanel em 500 Dias com Ela ou New Girl.
Tecnicamente, a série tem problemas de direção, um deles sendo, de novo, o clichê. Há um fator John Green que impregna todos os 13 episódios que tende a dramatizar, a exagerar, a puxar pra baixo uma série que já é naturalmente poderosa emocionalmente e que não precisava forçar a mão.
Um exemplo: a mãe da Hannah recebe rosas e comenta “Quem realmente conhecia a Hannah sabia que ela odiava rosas”; ela vai pra cozinha, pensativa, e bota um jarro para encher até que ele fica transbordando dramaticamente e enquanto uma trilha sonora deprê se arrasta e a câmera faz um zoom out.
Ou seja, em alguns pontos a série simplesmente é demais, mas não em um bom sentido: é brega, é piegas, cafona e previsível. Há cenas em que você sabe exatamente tudo o que vai acontecer antes que alguém abra a boca.
Já o outro problema técnico é um constante nos seriados da Netflix: edição. Alguns episódios se arrastam eternos quando uma boa tesourada de 20 minutos os teriam deixado redondos. Já outros são enormes e mesmo assim não conseguem comportar direito todo o conteúdo que queriam.
Se fosse na TV, todos os episódios teriam um tamanho padrão e ponto final. Às vezes isso faz muita falta ao formato livre da Netflix que acaba sofrendo por ter coisas demais ou de menos.
O veredito
Enfim, 13 Reasons Why é uma boa série e com uma mensagem muito forte, importante e poderosa que precisa ser ouvida. Tudo isso, incluindo sua premissa, são muito interessantes e envolventes.
Porém, a inspiração que sobra em visão, falta em execução. O tom da série fica confuso conforme ela se torna cada vez mais violenta, brutal e gráfica em direção aos episódios finais. Apesar de diversa, ainda perpetua vários clichês e muitas vezes se deixa ser carregada para um melodrama piegas, gratuito e desnecessário para uma história que já é emocionante por si só e não precisa de exageros.